Ei, arquiteto! Mais cuidado com a profissão

Passei boa parte da minha infância e adolescência morando em casa. Meus pais, por algumas vezes decidiram reformar o imóvel. Isto me deixava muito curiosa e eu gostava de acompanhar de perto. Lembro de ficar parada nos cantos da sala, observando a distribuição de cada móvel e peça de decoração, imaginando se não podia ser diferente. Adorava mudá-los de lugar. Formava na minha cabeça um novo layout e depois começava a mudar tudo.
No começo do científico – hoje ensino médio -, vieram os questionamentos sobre a profissão que gostaria de seguir e qual a faculdade que gostaria de fazer. Tive conhecimento do curso de arquitetura já aqui em Fortaleza, nas minhas vindas durante as férias, já que na cidade que eu morava – Teresina – não tinha este curso superior, e na minha família ninguém tinha essa formação.
Quando me mudei para Fortaleza, já para fazer o terceiro ano do científico, só existia o curso de arquitetura na Universidade Federal do Ceará (UFC). As aulas eram ministradas em dois períodos, manhã e tarde. A filosofia da faculdade estimulava que o estudante buscasse o conhecimento dentro da própria universidade. Muitos professores não viam vantagens nos estágios. Acreditavam que estagiando eles teriam apenas um ponto de vista sobre o processo criativo, o que impediria a uma formação mais crítica e pessoal. A UFC abria 40 vagas para Arquitetura e Urbanismo por ano. Nem todos finalizavam o curso. Na minha turma, por exemplo, acredito que menos da metade se formou.
No meu terceiro semestre fiz curso de AutoCAD, fui aluna de uma das primeiras turmas ministrada na Associação Técnico Científica Eng Paulo de Frontin (ASTEF). Embora alguns professores pedissem que o projeto da disciplina fosse entregue em AutoCAD, todos nos faziam desenvolvê-los inicialmente no papel manteiga, com lapiseira e, de preferência, sem apagar nada. Eles queriam que entendêssemos o nosso processo de criação e para isso cada pedaço de papel manteiga sobreposto era o registro de uma etapa. Nunca abandonei esta forma de criação.
Como meus horários não permitiam uma rotina certa para estagiar, no quinto semestre de faculdade abri, junto com uma amiga, um escritório técnico de prestação de serviços de desenvolvimento e detalhamento de projetos. Ou seja, estagiávamos no nosso escritório. Com esse formato os escritórios de arquitetura nos contratavam para desenvolver projetos, com prazos definidos. Fazíamos nossos horários para cumprir esses prazos e não atrapalhar a faculdade. Mais tarde passei a estagiar em escritório de arquitetura e por fim trabalhei com uma Design de Interiores, formada pela FAAP de São Paulo, que me apresentou o universo da Arquitetura de Interiores.
Quando entrei na faculdade, os escritórios de arquitetura também existiam em número bem menor. Conhecíamos, de uma certa forma, a maioria dos profissionais que tinham escritório, aqui em Fortaleza. Sabíamos quem trabalhava com projetos de edificações verticais ou grandes obras, quem fazia arquitetura de menor porte, quem só trabalhava com Urbanismo e poucos que faziam Interiores.
Acredito que a faculdade tem de ser plenamente aproveitada. Hoje, em Fortaleza existem 9 cursos para formação de Arquiteto e Urbanista. Com um mercado recebendo tantos formandos, quem vai fazer a diferença é quem aproveitou bem seu curso. Vale lembrar que aqui não há uma crítica a maior oferta de cursos superiores ou aos programas do governo que facilitam o acesso de um maior número de pessoas.
Passar pela faculdade e receber o diploma no final não é mérito para ninguém. Dizer que nunca precisou estudar para tirar nota boa, também não. No fim o mérito é de quem aproveita seus professores, se aprofunda nos temas abordados, passam mais tempo na biblioteca, fazem cursos complementares, intercâmbios, visitam museus. É importante ainda viver a cidade que está nos livros, que educam a forma de olhar a cidade, o espaço construído, a arquitetura.
Não devemos esperar por ninguém. Muitos não nascem sabendo. Se você escolheu essa profissão, precisa de dedicação para que esse olhar se eduque. Eu aprendi muito ouvindo os professores nas conversas nos bancos do pátio da faculdade. A gente aprende o tempo todo.
Já ouvi falar que hoje as turmas são enormes, que o professor não tem tempo de chegar na mesa de cada aluno ou de abordar a matéria de uma forma mais detalhada. Se adapte, não use essas “desculpas”. Busque o conhecimento de outra forma. É preciso desenvolver um olhar crítico, para isso precisa de conteúdo.
Já me perguntaram várias vezes quando se deve estagiar. Não tenham pressa em estagiar. Deixem para os dois últimos anos do curso. O maior aprendizado é na universidade. Depois, tenho certeza que tirará melhor proveito na hora de estagiar.


Sei que existem “cursos e cursos”, mas quem faz “o Curso” é o aluno. Sejam curiosos. A curiosidade é fundamental, sabia? Vão ver de perto. Perguntem. Peguem. Tentem fazer também.
Só para dar um exemplo, uma fase simples de um projeto é o projeto de prefeitura. Tenho contato diariamente com este tipo de projeto e me deixa de cabelo em pé o padrão apresentado. O Projeto para Prefeitura é padrão. Se faltou essa aula ou não conseguiu entender, pesquisa, pergunta. São informações simples que devem constar nesta fase de projeto, porém específicas.
Não se permitam entrar no mercado porque o pai pode bancar, ou é dono de construtora ou sei lá qual motivo. Tenham humildade em entender seus limites e busquem estudar mais ou se capacitar até mesmo em escritório de arquitetura ou engenharia. Precisamos ter mais responsabilidade com cada traço que desenhamos.

Nossa profissão “é linda”, como muitos dizem, mas vai muito além da beleza. Tem técnica, tem compromisso com o meio ambiente, interfere na forma de viver de uma família, de uma comunidade, da cidade.

david

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